terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

GREGÓRIO DE MATOS

Gregório de Matos e Guerra nasceu, de família abastada, em Salvador, provavelmente em 1636. Em 1651 foi para Portugal, onde ingressou, no ano seguinte, na Universidade de Coimbra. Formando-se em 1661, casa-se com Micaela de Andrade e ocupa vários cargos na magistratura portuguesa. Enviúvo em 1678 e retorna para o Brasil, abatido e desiludido, em 1681. Em Salvador, leva uma vida desregrada, improvisando poemas acompanhados de viola e satirizando os poderosos. Casa-se com Maria dos Povos e é banido, provavelmente em 1694 para Angola. Um ano depois, volta ao Brasil, mas, impedido de regressar a Salvador, vai para Recife, onde morre no ano seguinte.


EpÍlogos

Que falta nesta cidade?...................................Verdade
Que mais por sua desonra ..............................Honra
Falta mais que se lhe ponha ...........................Vergonha.


O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?.............................. Negócio
Quem causa tal perdição? ................................ Ambição
E o maior desta loucura?.................................. Usura.

Notável desaventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?....................... Pretos
Tem outros bens mais maciços?........................ Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?...................... Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?......................... Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas? ...............................Guardas
Quem as tem nos aposentos? ............................. Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando, porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda? ................................ Bastarda
É grátis distribuída? ......................................... Vendida
Que tem, que a todos assusta?............................ Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia? ........................................ Simonia
E pelos membros da Igreja? ............................. Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?......................... Unha.

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha

E nos Frades há manqueiras?........................... Freiras
Em que ocupam os serões? .............................. Sermões
Não se ocupam em disputas?............................ Putas.

Com palavras dissolutas
me concluis na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................................... Baixou
E o dinheiro se extinguiu?............................... Subiu
Logo já convalesceu? .......................................... Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?........................................ Não pode
Pois não tem todo o poder?.............................. Não quer
É que o governo a convence? .............,............. Não vence.

Quem haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

A Uma que lhe chamou Pica-Flor (261)

Se Pica-flor me chamais
Pica-flor aceito ser
mas resta agora saber
se no nome que me dais
meteis a flor que guardais
no passarinho melhor.
Se me dais este favor
sendo só de mim o Pica
e o mais vosso, claro fica
que fico então Pica-flor.



A Umas saudades (257)

Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter,
ide-vos, minhas saudades
a meu amor socorrer.
Em o mar do meu tormento
em que padecer me vejo
já que amante me desejo
navegue o meu pensamento:
meus suspiros, formai vento,
com que me façais ir ter
onde me apeteço ver;
e diga minha alma assi:
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter.
Ide donde meu amor
apesar desta distância
não há perdido constância
nem demitido o rigor:
antes é tão superior
que a si se quer exceder,
e se não desfalecer
em tantas adversidades,
Ide-vos minhas saudades
a meu amor socorrer.

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